Em situação difícil e num clima de insegurança e violência vive o povo brasileiro, desde que foi desfechado o golpe militar de 1º de abril. Muitas conquistas, alcançadas em anos de duras lutas, foram liquidadas. Todos os direitos do cidadão são desrespeitados. Mais acentuada se tornou a dependência do país aos monopólios norte-americanos.
Ainda há poucos meses, o povo usufruía de relativa liberdade. Os trabalhadores da cidade e do campo podiam legalmente organizar e levantar suas reivindicações. As massas populares, os estudantes e a intelectualidade travavam intensos debates em torno dos problemas nacionais e apresentavam suas soluções. Sargentos e marinheiros reclamavam que se pusesse fim às discriminações de que eram alvo. Jornais de todas as tendências circulavam livremente. Espraiava-se no país um movimento em favor de mudanças radicais na sociedade brasileira. A reforma agrária era exigida vigorosamente. Erguiam-se protestos contra a desenfreada espoliação imperialista.
Esse clima de certas liberdades e o avanço do movimento democrático e antiimperialista preocupava seriamente os reacionários do país e dos Estados Unidos. Sob o falso pretexto de que Goulart favorecia os comunistas, há muito grupos militares e de civis tinham iniciado a conspiração para derrubar o governo e deter o ascenso das lutas populares. “A conspiração começou desde que Jango assumiu o poder” – disse com a maior desfaçatez o Mal. Dennys, em entrevista a O Cruzeiro. Sub-repticiamente, a máquina do golpe foi sendo montada no Exército. A Escola Superior de Guerra transformou-se em antro de conjura. Latifundiários armados realizavam violenta repressão aos camponeses. Lacerda e Ademar de Barros pregavam abertamente a destituição do presidente da República. Setores reacionários do clero mobilizavam fiéis em passeatas e procissões. E, movendo os cordéis, encontrava-se a embaixada dos Estados Unidos, cujos prepostos agiam com grande desenvoltura em todo o território nacional.
Essa situação refletia o aguçamento das contradições sociais no país e o antagonismo cada vez mais profundo entre a grande maioria da nação e o imperialismo norte-americano. Temendo as ações independentes das massas e os seus anseios de transformações revolucionárias, os inimigos do povo preparavam cuidadosamente o golpe.
A tudo isso assistia o governo passivamente. Superestimava as suas forças e subestimava as de seus adversários. Confiava nos oficiais que ocupavam os principais comandos das Forças Armadas. Entre as massas populares predominava a idéia de que o Exército era a favor da legalidade e de que qualquer tentativa golpista seria imediatamente esmagada. Somente algumas vezes alertavam para o perigo das ilusões pacifistas. O povo estava despreparado para enfrentar a ação combinada dos imperialistas e dos reacionários.
Assim, a 31 de março de 1964, o governo e o povo foram tomados de surpresa. Para derrubar o presidente da República uniram-se desde Magalhães Pinto, Nei Braga e Moura Borges até Lacerda e Ademar de Barros, desde os generais golpistas até elementos que se encontravam no dispositivo militar do Sr. Goulart. Nenhuma resistência foi oferecida ao golpe. O povo sofreu um duro revés.
GOVERNO CONTRA O POVO E A SERVIÇO DOS MONOPOLISTAS IANQUES
1. Um grupo de oficiais controla a ditadura militar. Em conseqüência da deposição do presidente da República instaurou-se uma ditadura militar a serviço das forças reacionárias internas e do imperialismo norte-americano.
O novo governo se apresenta como tendo surgido de uma revolução que se fizera para restaurar a democracia, impor a moralidade na administração pública, acabar com a inflação e sanear as finanças. Mas, em realidade, o governo chefiado pelo Mal. Castelo Branco é fruto de uma quartelada nos moldes tradicionais latino-americanos, viola flagrantemente as normas constitucionais e não passa de um poder discricionário. Embora a ditadura militar procure, desde o início, mascarar-se com aspectos legais, proclamando hipocritamente sua obediência à Constituição de 1946, no país não se respeita a lei. A vida e a liberdade dos cidadãos estão à mercê de um grupelho de generais retrógrados.
Lidera o novo governo um punhado de militares de alta patente que têm como centro a Escola Superior de Guerra, fundada por inspiração do Pentágono. Desde a sua criação, essa Escola vem elaborando, com a ajuda de técnicos norte-americanos e de reacionários brasileiros, todo um programa de administração do país calcado nas idéias dos monopolistas dos Estados Unidos. Tal programa abarca tanto questões econômicas e financeiras quanto de política interna e externa. Parte da premissa de que o mundo marcha para a III guerra e que o Brasil deve situar-se, incondicionalmente, ao lado da maior potência imperialista. Em torno da Escola Superior de Guerra agrupam-se militares e civis que se consideram uma autêntica elite e os únicos capazes de solucionar os problemas brasileiros. Devotam verdadeiro desprezo ao povo, por eles considerado imaturo. Procuram, assim, tutelar a nação. Arvorando-se em profundos conhecedores das mais importantes questões da atualidade, o que fazem, de fato, é repetir as opiniões e as diretrizes que lhes são sopradas por generais e experts dos Estados Unidos.
Aquele punhado de militares, conhecido como o grupo da Sorbonne, constituiu-se, embora camuflado, em partido político, que se caracteriza, fundamentalmente, por seu aspecto antipopular e antinacional. Entre os membros mais destacados do grupo contam-se Castelo Branco, Costa e Silva, Cordeiro de Farias, Bizarria Mamede, Décio Escobar, Golbery do Couto e Silva, Sizeno Sarmento, Muniz de Aragão e Ernesto Geisel. Entre os civis pode-se citar Roberto Campos, Gouveia de Bulhões e Leitão da Cunha. Em geral, trata-se de militares e políticos frustrados, que jamais conseguiriam, através de processos democráticos, alcançar os postos de mando da nação. Juntaram-se a esse grupo generais aproveitadores e fascistas como Justino Alves Bastos, Amauri Kruel, Mourão Filho, Carlos Luiz Guedes e outros.
Aparentemente, o país é dirigido à base das opiniões do Ministério, do Congresso e dos grandes partidos políticos. Em última instância, porém, quem orienta e decide é o chamado grupo da Sorbonne, que expressa interesses da grande burguesia ligada ao capital monopolista ianque, dos latifundiários e do imperialismo norte-americano.
2. A política do governo Castelo Branco. Ao assumir o poder, o atual governo revelou claramente o caráter reacionário de sua política. Governadores e prefeitos, eleitos pelo povo, foram substituídos arbitrariamente por militares ou seus prepostos. Nos sindicatos foi estabelecido o regime de intervenção ministerial. Estudantes e professores foram expulsos das universidades. Centenas de oficiais e sargentos viram-se reformados ou alijados sumariamente das Forças Armadas. E, com a cassação dos mandatos, o Parlamento transformou-se em simples chancelaria do Poder Executivo. A isto os golpistas denominaram de “limpeza da área”.
Os expurgos em massa não são mais do que uma tentativa de eliminar da vida política os que defendem posições democráticas e antiimperialistas ou os que, dessa ou daquela maneira, poderiam favorecer um curso democrático. Objetivam os autores do golpe, por esse meio, calar qualquer oposição à ditadura e se consolidar no poder. Simultaneamente, desencadearam uma onda de perseguições inomináveis, prenderam dezenas de milhares de pessoas, forjaram provocações e instauraram inquéritos político-militares. Têm em vista criar um ambiente de terror a fim de impedir as lutas pelas reivindicações dos trabalhadores, pela terra e contra o imperialismo.
No que se relaciona à política econômico-financeira, a linha adotada é a do Fundo Monetário Internacional. Essa linha visa a combater a inflação, descarregando o peso das dificuldades sobre as massas, e freia o desenvolvimento econômico do país. Seguindo essa orientação, o governo aumentou consideravelmente as tarifas de serviços públicos, liquidou os subsídios na importação do petróleo e do trigo, elevou desbragadamente os impostos. Apesar disso, continua emitindo em ritmo acelerado. Como resultado, tornou-se insuportável a carestia de vida, cresceu o desemprego, começaram a escassear gêneros de primeira necessidade e ocorreu sensível queda nos negócios. Ao mesmo tempo, procura o governo evitar o aumento de salários, não só nas empresas estatais como nas de capital privado.
Em menos de quatro meses, o governo fez grandes concessões aos imperialistas norte-americanos. Sob a pressão da ditadura militar, o Congresso aprovou, a toque-de-caixa, os acordos com os Estados Unidos para o estabelecimento de missões militar e naval ao Brasil. Esses acordos encontravam-se na Câmara dos Deputados, desde 1958, praticamente arquivados. Suas cláusulas constituem atentado à soberania nacional. Por esse instrumento diplomático o governo fica obrigado a contratar unicamente técnicos militares ianques e as Forças Armadas são submetidas ao controle de oficiais estrangeiros. Igualmente, representa um atentado à soberania nacional a execução do convênio com o governo norte-americano que permite à United States Air Force (USAF) realizar levantamentos aero-fotogramétricos de extensas e importantes regiões do país. Mais escandalosa ainda foi a revisão da lei de remessa de lucros imposta pela ditadura ao Congresso que, não há muito, tinha aprovado essa lei. Tal revisão teve o claro objetivo de favorecer a ação de rapina do capital norte-americano ao Brasil. Os artigos da lei que favoreciam a economia nacional foram abolidos.
Quanto à política externa, o governo retornou à posição de total subserviência aos ditames do Departamento de Estado. Adotou a orientação humilhante que prevaleceu na época em que o Sr. Raul Fernandes era ministro do Exterior do Mal. Dutra, de alienação da soberania nacional. Essa subserviência foi bem caracterizada pela declaração do embaixador da ditadura em Washington, Sr. Juracy Magalhães, de que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Dessa forma, os interesses de uma potência estrangeira são colocados acima dos interesses do país. Fazendo eco das diretrizes internacionais da Administração Johnson, que se volta contra Cuba e contra a China Popular, a ditadura chefiada por Castelo Branco rompeu relações diplomáticas com o governo de Fidel Castro, baseado em razões espúrias, e prendeu, de maneira arbitrária, sete membros da missão comercial chinesa, que aqui se encontrava com autorização governamental, e dois jornalistas da Agência de Notícias Nova China, que exerciam legalmente suas funções. Isso significa vergonhosa violação do Direito Internacional e descarada demonstração de servilismo aos Estados Unidos. Na OEA, a delegação brasileira, dirigida pelo Sr. Leitão da Cunha, defendeu ardorosamente, com um sabujismo de provocar asco, as teses norte-americanas contra Cuba, em flagrante desrespeito à Carta das Nações Unidas. Contrariou a vontade de nosso povo que é amigo da Revolução Cubana e se manifestou a favor do princípio de autodeterminação. Além disso, colocando-se a serviço do salazarismo, a ditadura de Castelo Branco encarcerou quase uma dezena de angolanos e portugueses que se achavam regularmente no país. Os presos são submetidos a inúmeros vexames e estão sendo interrogados sob a supervisão de um agente da polícia política portuguesa (PIDE). Nas organizações internacionais, os delegados do governo colocam-se ao lado dos colonialistas portugueses contra os povos africanos que lutam por sua independência.
O grupo de militares acastelado no poder faz imenso alarde sobre a corrupção, que é apresentada como causa do subdesenvolvimento e de todas as dificuldades por que a nação atravessa. Tenta, com isso, desviar a atenção do povo das verdadeiras causas do atraso do Brasil – a espoliação imperialista e o arcaico sistema do latifúndio. Evidentemente, a corrupção existe. É inerente à própria natureza do capitalismo. A burguesia, lutando para predominar como classe na sociedade e se afirmar no poder, utiliza a corrupção em ampla escala. Também a utiliza – e em grau muito mais elevado – o capitalismo norte-americano. A fim de manter férreo controle sobre o Brasil, os monopolistas ianques dispendem vultosas somas no suborno, direto e indireto, de grande número de pessoas em diferentes setores sociais. Todos se recordam do escândalo do IBAD que, com dinheiro dos trustes, financiou a campanha eleitoral dos que se comprometiam a defender a reação. Através da “Aliança para o Progresso”, a embaixada norte-americana obtém a complacência de governadores e prefeitos, concedendo-lhes “ajuda” em dólares. Em geral, a grande imprensa, o rádio e a televisão recebem verdadeiros subsídios das empresas norte-americanas em troca da propaganda dos pontos-de-vista do imperialismo. O governo e organizações estadunidenses financiam viagens de estudantes e dirigentes sindicais à América do Norte, a fim de induzi-los a realizar trabalho divisionista e de provocação. Além do mais, importantes figuras da política nacional são subornadas através de negociatas, de manipulações de câmbio, de comissões nas compras oficiais, etc. A essa ação corrupta do imperialismo, a “revolução” fecha os olhos e nada diz.
A corrupção é, sem dúvida, uma chaga na sociedade. O povo tem conhecimento de que a fortuna de muitos políticos brasileiros foi conseguida através do roubo dos dinheiros públicos. Nos governos passados, a começar pelo de Dutra e a terminar pelo de Goulart, para apenas citar um período mais recente, a corrupção campeou. E continua a campear no atual governo. O proletariado e as forças progressistas não podem ser com ela coniventes. Mas sabem que a corrupção só terá fim quando forem eliminadas as causas que a engendram e que se encontram no próprio regime que vigora no país.
3. As contradições na área golpista. O governo Castelo Branco, pelos interesses que representa e pela política que realiza, situa-se em oposição à grande maioria do povo. Geralmente, as medidas que adota são dirigidas contra as massas. Os homens que estão no poder perseguem, cheios de ódio, os trabalhadores e protegem os privilegiados. Em Pernambuco, dois sacerdotes denunciaram que, após a “revolução”, os assalariados agrícolas foram privados do recebimento do repouso semanal remunerado, das férias e do décimo terceiro mês de salário a que têm direito. O funcionalismo público perdeu a paridade de vencimentos com os militares, recebendo aumento muito inferior ao que estes obtiveram. O governo investe desabridamente contra a intelectualidade, que vem sendo punida por delito de opinião. Em poucos meses, a ditadura tornou-se execrada pelo povo. Mesmo setores da classe média que haviam, no início, manifestado sua simpatia pelo golpe militar, hoje mostram seu descontentamento com a orientação governamental.
Diante da condenação geral, a ditadura procura manobrar. Em certa medida, atenua a repressão policial em alguns estados, mantendo, no entanto, o ambiente de perseguições. Ao mesmo tempo, anuncia a realização de reformas. Com grande alvoroço, enviou ao Congresso mensagens sobre a maioria absoluta nas eleições presidenciais, sobre o voto ao analfabeto e a elegibilidade dos sargentos. O voto ao analfabeto, que se limitava aos pleitos municipais, foi recusado no Parlamento devido à falta de empenho do próprio governo. A aprovação da emenda sobre a maioria absoluta teve em vista consagrar o princípio que impede, nas eleições presidenciais, escolher por maioria relativa políticos que, como Goulart, Jânio e outros, não inspiram confiança à reação e ao imperialismo. É, pois, uma medida antidemocrática. À sombra da maioria absoluta foi, sorrateiramente, assegurada a prorrogação do “mandato” do Sr. Castelo Branco, adiando-se para mais tarde o incômodo problema das eleições. Promete também o governo remeter ao Congresso mensagem sobre a reforma agrária. Trata-se de providências restritas que contam com o beneplácito do imperialismo norte-americano. Em reformas dessa natureza estão interessados a grande burguesia e os monopólios ianques, desejosos de ampliar o mercado interno para a colocação dos produtos industriais de suas empresas. Essa orientação, aliás, foi expressa na Conferência de Punta del Este, cujo programa o governo Castelo Branco ensaia adotar.
Ao mesmo tempo, tentando evitar seu próprio isolamento, a ditadura visa a conseguir apoio das forças políticas que atuam no Congresso. Procura envolver, inclusive, partidos que foram atingidos pelo golpe, como por exemplo, o Partido Trabalhista Brasileiro. Nesse sentido, é obrigada a fazer concessões secundárias ao Parlamento.
O rumo adotado pelo governo, ainda que reacionário, vem gerando desacordos entre as próprias forças que participaram da quartelada do 1º de abril, muitas das quais se julgam frustradas. São claras já as divergências dos elementos mais direitistas da União Democrática Nacional, representadas por Carlos Lacerda; de alguns círculos mais extremados; e de diversos setores políticos, em relação ao governo Castelo Branco. Lacerda pronunciou-se categoricamente contra qualquer reforma, em particular a que se refere ao problema da terra. Essa corrente considera necessário seguir a chamada “linha dura” do período imediato ao golpe. Em seu conceito, o governo Castelo Branco não atingiu suficientemente, com medidas drásticas, aqueles que denomina de inimigos da “revolução”. O Sr. Julio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, chega ao ponto de defender a dissolução do Congresso, já seriamente mutilado, e o afastamento definitivo do Partido Social Democrático e do Partido Trabalhista Brasileiro do cenário político. Opina que o governo saído do golpe não deve apegar-se a nenhum formalismo jurídico. Teme que qualquer formalismo dessa natureza possa conduzir à desintegração das forças do golpe e à anulação de seus objetivos, receia que o governo não possa, desse modo, conter a luta das massas descontentes com o congelamento dos salários, a carestia de vida e a política ditada pelo imperialismo norte-americano.
Criticando abertamente o atual governo, Carlos Lacerda busca reunir ao seu redor todos os inconformados da área golpista e iludir certos setores das massas, visando a chegar ao poder. No mesmo sentido da orientação lacerdista marcham oficiais de alta patente que participaram de maneira ativa do golpe mas que não conseguiram empolgar sua direção – embora continuem ocupando postos importantes nas Forças Armadas: alguns coronéis e uma parte da chamada jovem oficialidade. Nas regiões em que comandam, como foram os casos do general Carlos Luiz Guedes, em Minas, e do general Justino Alves Bastos, no Nordeste, aplicam sua própria linha repressiva. Esses militares, entre os quais se incluem Mourão Filho, Murici, Hélio Ibiapina e outros do mesmo jaez, não escondem sua discordância com certos aspectos da política do governo que lhes parecem pouco firmes. Por isso, pressionam para que seja intensificada a reação e, onde têm influência, praticam, por conta própria, toda sorte de arbitrariedades que apresentam como fatos consumados. Articulam, também, novas conspirações. Nesse terreno têm pontos de contato com o governador de Guanabara.
Ainda entre as forças que desencadearam o golpe, verificam-se algumas contradições com o governador de São Paulo. Como já fizera com Juscelino Kubistchek e tenta fazer com Carlos Lacerda, o grupo da Sorbonne objetiva anular as pretensões de Ademar de Barros à presidência da República. Insistindo em sua candidatura, o governador paulista aumenta a área de atrito com os militares no poder. E para resistir às ameaças que estes lhe fazem, empenha-se em obter apoio nas Forças Armadas.
As contradições na esfera golpista não são insuperáveis, podem ser resolvidas por meio de concessões mútuas, de acordos e compromissos. Podem também – o que é provável – se acirrar e degenerar em conflitos mais sérios. Seja, no entanto, qual for o rumo que tomem tais divergências, a solução será sempre contra as massas populares.
Encontra-se, assim, o povo brasileiro, face a um governo imposto pelas baionetas. Acha-se diante de novas ameaças dos ultradireitistas. Isso obriga as correntes políticas populares a examinar por que foi possível essa derrota, sem dúvida temporária, e a tirar dos fatos os ensinamentos que ajudem a enveredar pelo caminho que as leve realmente à vitória.
LIÇÕES E EXPERIÊNCIAS DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO E ANTIIMPERIALISTA
1. A inviabilidade do caminho pacífico. Ao examinar as causas da derrota das forças populares, salta à vista que no movimento democrático e antiimperialista predominava a idéia de que a revolução no Brasil se faria por intermédio do caminho pacífico. Por meio de reformas sucessivas, dos marcos do regime vigente, seria possível realizar transformações profundas na estrutura econômico-social do país. O pensamento dominante consistia simplesmente em aperfeiçoar a máquina estatal, colocando-se nos diferentes postos-chave da administração pública homens considerados nacionalistas. João Goulart confiava poder levar a cabo algumas reformas e manter-se na Presidência apoiado no movimento sindical e nos comandos militares mais importantes.
Os acontecimentos de março-abril vieram demonstrar o quanto era ilusória a orientação do caminho pacífico. É inegável que o movimento democrático e antiimperialista dispunha de bastante força. Contava com os sindicatos, com as organizações estudantis, possuía apoio no campo e regular influência nas corporações militares. Contudo, não foi capaz de organizar a luta para enfrentar os golpistas. Imbuído de uma concepção pacífica, revelou completa falta de iniciativa para defender os interesses do povo. Hoje, quando as liberdades foram anuladas e sucedem-se as mais odiosas perseguições, não é difícil compreender o quanto foi criminosa a linha da transição pacífica. Os trabalhadores, os estudantes, os intelectuais indagam por que não se resistiu ao golpe quando se tinha tão fortes posições. Os responsáveis principais são os que pregavam aquela orientação. Tivesse prevalecido a linha revolucionária, outro teria sido o curso dos acontecimentos.
Seria desejável uma solução pacífica para os problemas nacionais, que o povo, por meio de processos constitucionais, conseguisse tomar os destinos do país em suas mãos. Entretanto, as classes dominantes e o imperialismo norte-americano tornam inviável essa solução. Na defesa dos seus mesquinhos interesses e seus ignóbeis privilégios, mantém um controle inflexível da máquina do Estado, que é fundamentalmente utilizada para reprimir quaisquer tentativas das massas populares de restringir e abolir a espoliação estrangeira e as injustiças sociais, assim como de participar mais ativamente da vida política do país.
O principal instrumento da repressão do Estado das classes dominantes é o Exército. Em toda a história do Brasil, desde a independência, o Exército tem sido chamado para sufocar os anseios e as lutas de caráter popular e para defender a pequena minoria exploradora que domina o país. É conhecido o papel desempenhado pelo Exército na época do Império, no esmagamento das insurreições populares. Na República, exceto em curtos períodos, tem predominado uma ditadura militar, aberta ou disfarçada, que a serviço das forças reacionárias, intervêm nos estados da Federação e não respeita as próprias leis vigentes quando estas favorecem, em certa medida, as correntes democráticas. Nas últimas três décadas, as Forças Armadas, como sustentáculo do regime vigente, interferiram mais repetidamente na vida política do país para impedir que o povo manifestasse sua vontade. Em 1936, os chefes militares patrocinaram a decretação do estado de guerra sem que o país estivesse em guerra e, em 1937, em plena campanha pela sucessão presidencial, dissolveram o Parlamento e instauraram, sob a direção de Getúlio Vargas, o Estado Novo. Durante quase oito anos, liquidaram as liberdades, prenderam milhares de patriotas, torturaram e assassinaram inúmeros combatentes antifascistas. Quando, em 1945, sob a influência da derrota do nazismo e sob a pressão popular, Vargas favoreceu o retorno de determinadas liberdades, as Forças Armadas mais uma vez fizeram sentir brutalmente sua presença, depuseram o governo e criaram uma situação tal que para a Presidência da República foi conduzido o antigo ministro da Guerra do Estado Novo. Anos mais tarde, em 1954, o presidente Vargas, que havia tomado algumas medidas contrárias aos interesses dos monopólios estrangeiros, foi novamente destituído pelos militares e por estes levado ao suicídio. São ainda os generais reacionários que, em 1961, forçaram a renúncia de Jânio Quadros, por haver iniciado uma política exterior de relativa independência. É permanente a atividade antidemocrática dos altos escalões das Forças Armadas. Pressionam constantemente os governos para que adotem medidas contra o movimento popular. De um modo geral, os elementos mais destacados da casta militar reacionária estão ligados ao Pentágono.
Agora, a oficialidade retrógrada não somente depôs o governo como se apoderou da máquina governamental, inclusive da Presidência da República. Guindou despoticamente generais, coronéis e seus apaniguados aos postos de governadores de alguns estados e de prefeitos de muitas cidades. Anunciou que o Congresso continuaria funcionando como simples concessão do “comando revolucionário”. Intitulou-se a fonte de todo poder. É certo que nas Forças Armadas surgem elementos de formação democrática e progressista. Mas não são esses os que dominam a máquina militar. Periodicamente tais elementos são postos na reserva ou expulsos, como atualmente acontece. As Forças Armadas são instituições a serviço das classes reacionárias e do imperialismo norte-americano voltadas essencialmente contra o povo. Mesmo um general tido como democrata e nacionalista, chefe da Casa Militar do governo Goulart, em seu depoimento no inquérito policial-militar, não fugiu à sua condição de classe. Afirmou que ao ser consultado por um comando do Exército sobre a conduta a tomar face à posição dos marinheiros que, nas ruas, reclamavam seus direitos respondeu prontamente que se fizesse “logo”. Mas quando o comandante do I Exército lhe comunicou que não atiraria contra cadetes da Academia das Agulhas Negras, sublevados contra o governo, declarou estar plenamente de acordo com essa atitude, pois, segundo ele, seria um crime derramar o sangue da juventude militar.
Em tais condições, como admitir o caminho pacífico? Os acontecimentos desse último período são bastante educativos. Mostram que por mais amplitude que adquira o movimento popular e por mais posições que detenha, se não contar com meios para enfrentar a violência das classes dominantes, acabará sendo batido. Sem desbaratar a máquina do Estado reacionário e derrotar o seu instrumento principal de coerção, as Forças Armadas, o povo brasileiro não poderá libertar-se da opressão e do atraso, nem da dependência ao estrangeiro. Todas as tentativas que o povo tem feito para usufruir de verdadeira liberdade, e para conquistar um regime mais humano e mais justo, utilizando outros caminhos, têm sido em vão. As armas dos dominadores esmagam sempre os anseios populares.
A idéia de que o povo brasileiro necessita responder à repressão armada dos reacionários internos e dos imperialistas ianques com a luta armada, de que precisa estar preparado para isso, é hoje a questão básica que deve nortear o pensamento e a ação de todos os verdadeiros revolucionários.
2. O imperialismo norte-americano, principal inimigo do nosso povo. A subestimação da atividade do imperialismo dos Estados Unidos no Brasil e de seus planos de guerra e de domínio mundial, constituiu um dos principais motivos do insucesso das forças democráticas e antiimperialistas.
Os monopolistas ianques, desde há muito, se transformaram no gendarme da reação no mundo inteiro. Particularmente neste último período, tem-se intensificado sua ação agressiva contra o movimento de libertação nacional. Em toda parte procuram liquidar as liberdades e esmagar os movimentos progressistas. Atiram-se ferozmente contra os povos da antiga Indochina, interferem criminosamente no Congo e tentam estrangular Cuba.
Os fatos mais recentes da História do Brasil mostram que os monopolistas ianques têm sido elemento decisivo na consumação dos golpes militares que, num curto período, já depuseram quatro presidentes da República. Quando os governos das classes dominantes não reprimem suficientemente o movimento popular e patriótico, os espoliadores ianques tratam de derrubá-lo. Contam para isso com fortes posições no país. A começar pela influência direta que exercem nas Forças Armadas. Dispõem de vasta rede de agentes, entre os quais se encontram governadores, ministros e parlamentares. Subornam a chamada grande imprensa, o rádio e a televisão.
É sabido que, particularmente depois de 13 de março, os monopolistas dos Estados Unidos puseram em funcionamento, a pleno vapor, toda a sua máquina para derrubar o Sr. Goulart. Às vésperas do golpe, os maiores jornais do país, em editoriais que pareciam escritos por uma só pessoa, reclamavam a destituição do governo. Era visível, nesses editoriais, o dedo da embaixada norte-americana. A interferência das missões militares ianques no Brasil se fez sentir junto aos chefes golpistas. Revelando a estreita ligação dos promotores do golpe com oficiais daquelas missões, o almirante Ernesto de Mello Batista, ao assumir a pasta da Marinha do atual governo, declarou que iria dirigir seu ministério contando especialmente com a cooperação do almirante Edward Colestock, chefe da missão naval norte-americana.
Dinheiro ianque correu largamente para estimular e ajudar os que conspiravam. Os governadores comprometidos com o complô, como Carlos Lacerda, recebiam milhões de dólares da Administração Johnson. Isso foi dito com o maior descaramento pelo Sr. Thomas Mann. O subsecretário de Estado para Assuntos Inter-americanos declarou, em uma comissão da Câmara de Representantes de seu país, que “os Estados Unidos distribuíram entre governadores eficientes de certos Estados brasileiros a ajuda que seria destinada ao governo Goulart” e aduziu que “Washington não deu nenhum dinheiro para o balanço de pagamentos ou para o orçamento federal, porque isto poderia beneficiar diretamente o governo central”. Conivente com o golpe, a Casa Branca, mal havia sido deposto João Goulart, apressou-se em reconhecer o governo ilegal surgido de um pronunciamento militar. Atestando a intervenção norte-americana em assuntos internos do Brasil, Dean Ruck afirmou que o Mal. Castelo Branco “está dando os passos necessários para colocar ordem no país” o qual, segundo o secretário de Estado, se encontrava, na administração anterior, “em extremo caos”.
Comprova-se mais uma vez que o imperialismo norte-americano é o principal inimigo do povo brasileiro. Está aliado às Forças reacionárias internas que lhe servem de sustentáculo na espoliação do país e na opressão do seu povo. Essas forças, por sua vez, encontram no imperialismo ianque um valioso apoio para defender seus privilégios. Quando se trata de combater o movimento democrático e antiimperialista, os monopólios dos Estados Unidos e a reação interna formam um bloco unido. O povo brasileiro não poderá conquistar uma autêntica democracia sem se livrar da exploração do capital norte-americano, sem desfazer o bloco do imperialismo ianque com os reacionários internos e sem destroçar a máquina da dominação montada no Brasil pelos milhardários estadunidenses.
As forças populares, na luta em que estão empenhadas pela emancipação e o progresso do país, não podem subestimar, no mínimo que seja, a ação repressiva dos neocolonialistas ianques. É errôneo alimentar ilusões de que possa haver coexistência pacífica entre o movimento democrático de libertação nacional e a dominação imperialista no país. Mesmo governos das classes dominantes, como o de Jânio Quadros e o de João Goulart, quando adotam algumas medidas que contrariam os interesses norte-americanos e permitem certo clima de liberdade, o imperialismo ianque não tem a menor vacilação em derrubá-los. Não é difícil prever do que ele será capaz quando o nosso povo erguer bem alto a bandeira da luta antiimperialista. O ponto de vista de que há um grupo de monopolistas ianques menos agressivo e espoliador do que outro é completamente falso. No que se refere à América Latina, a experiência mostra que um e outro grupo, seja este representado por Eisenhower e aquele por Kennedy ou Johnson, interferem brutalmente nos negócios internos dos países deste Hemisfério, mudam governantes, impõem a orientação econômico-financeira que lhes convém, prosseguem na impiedosa exploração das massas populares.
A luta sem tréguas contra o imperialismo norte-americano precisa ser, portanto, a tarefa primordial de todos os brasileiros que almejam uma a pátria livre e próspera. É preciso manter constante vigilância para não se deixar surpreender pelos manejos e conspirações dos monopolistas ianques. Ao levantar firmemente a bandeira de emancipação nacional, nosso povo não estará só. Une-se a todos os povos do mundo que lutam pela independência de seus países e pela paz.
3. A direção do movimento democrático e antiimperialista. Os acontecimentos do 1º de abril trazem também outro valioso ensinamento. Está relacionado à direção do movimento democrático e antiimperialista.
Quem exerceu a direção desse movimento no período do governo Goulart? Evidentemente, não foi a classe operária. Nem mesmo a pequena burguesia. Sem dúvida, muitas eram as correntes políticas, expressando diferentes setores sociais, que integravam aquele movimento, cada uma das quais defendendo suas soluções. O proletariado revolucionário estava representado pelo nosso Partido que, no entanto, devido a uma série de fatores, não dispunha de suficiente influência sobre as massas para que estas seguissem uma orientação conseqüente. Inúmeros grupos de esquerda, com posições radicais, traduziam as aspirações de setores da pequena burguesia e pouco puderam influir no curso dos acontecimentos. O deputado Leonel Brizola, cuja corrente exprimia os interesses da parte mais radical da burguesia nacional, embora desfrutasse de regular prestígio no seio do povo, não era a força hegemônica. Predominou, no fundamental, a direção da burguesia reformista, representada pela corrente liderada por Goulart. Para realizar essa direção, lhe foi da maior valia o apoio que recebeu do Partido Comunista Brasileiro. Esse partido, ao renunciar ao marxismo-leninismo e ao adotar uma orientação tipicamente reformista, colocou-se a reboque da burguesia e atuou no sentido de que os movimentos sindical, camponês e estudantil ficassem sob a hegemonia da burguesia. O governador Miguel Arraes, que pode ser considerado um dos expoentes da burguesia nacional-reformista, tinha a direção das massas em Pernambuco.
O movimento democrático e antiimperialista, que alcançou naquele período uma grande amplitude, sofreu uma derrota, não pôde atingir seus objetivos. A isto conduziu a direção da burguesia nacional-reformista. Ainda que esta esteja chamada a participar da luta antiimperialista e antilatifundiária e possa vir a integrar a frente única das forças sociais interessadas na vitória da revolução, na presente etapa, não pode ser o dirigente da luta democrática e nacional-libertadora. A burguesia, ao mesmo tempo em que se opõe, em certa medida, ao latifúndio e ao imperialismo, teme cada vez mais a radicalização da luta contra esses obstáculos ao progresso do país. Quer solucionar os problemas cruciais da nação, gradativamente, por intermédio das reformas, sem romper inteiramente com o imperialismo e o latifúndio. A direção de Goulart expressava com bastante nitidez esse caráter dúplice da burguesia. Toda sua política revelava a vã tentativa de conciliar os interesses nacionais com a dominação dos monopólios norte-americanos e com a manutenção do atual sistema de propriedade da terra.
Durante todo o seu governo, Goulart teve como preocupação constante evitar que as massas se encaminhassem no sentido revolucionário. Com esse objetivo procurou colocar sob seu controle o movimento sindical, tudo fazendo para impedir que os sindicatos seguissem um caminho independente e subordinando-os aos interesses de sua política. Ainda que o movimento sindical houvesse se desenvolvido em extensão e dirigido numerosas lutas, tinha muito de organização de cúpula e não estava em condições de enfrentar de maneira enérgica os reacionários. No campo, Goulart procurou também canalizar o movimento camponês, que surgia com grande ímpeto, para o terreno reformista e quebrar a sua combatividade. A ação dos estudantes, que no passado sempre se destacou, perdeu muito de suas características combativas. O reformismo impregnou-se de tal forma na direção dos movimentos de massas que sua atuação tinha um conteúdo defensivo e conciliador.
A linha de conciliação de Goulart transformou-se em capitulação quando os golpistas recorreram às armas. Naquela ocasião, Goulart não apelou para as massas a fim de defender a legalidade e ordenou aos militares que lhe eram fiéis a não opor qualquer resistência armada. Preferiu abandonar o governo a ter de enfrentar uma guerra civil que poderia, com a ampla participação do povo, transformar-se num movimento revolucionário de grande envergadura. A direção do movimento democrático e antiimperialista pela burguesia reformista – coadjuvada pelo seu apêndice, o Partido Comunista Brasileiro – conduziu, assim, à entrega sem luta das posições conquistadas, deixando as massas à mercê dos inimigos.
A vida comprovou, novamente, que o movimento democrático e antiimperialista somente poderá alcançar completo êxito se à sua frente estiver uma vanguarda revolucionária que seja a expressão política da classe mais avançada da sociedade, o proletariado. Somente conseguirá a vitória se adotar uma orientação revolucionária, e não reformista. Somente terá sucesso se unir em ampla frente única todas as forças que se opõem ao imperialismo norte-americano e aos seus sustentáculos no país. Somente poderá triunfar se estiver preparado, política e ideologicamente, para fazer frente à violência do imperialismo e da reação interna, com a luta mais enérgica e decidida, recorrendo, inclusive, à violência revolucionária das massas.
4. A questão camponesa é o problema-chave da revolução. O menosprezo pelo movimento camponês, como principal base de apoio das forças revolucionárias, constituiu, também, um dos motivos do retrocesso do 1º de abril.
É inegável que, nestes últimos anos, surgiu no Brasil um movimento camponês de certa envergadura. Uma de suas características foi o seu elevado espírito de luta. Resistindo à prepotência dos latifundiários, os camponeses lançaram-se corajosamente à conquista da terra. Recorreram às mais variadas formas de organização para a defesa de seus direitos. Levantaram a reivindicação da reforma agrária radical que repercutiu em todo país e se tornou um reclamo nacional. No entanto, esse movimento não mereceu a devida atenção. As ações políticas se travaram fundamentalmente nas cidades. A frente única era vista mais em função da aliança do proletariado com a pequena burguesia e com a burguesia nacional do que com os trabalhadores do campo.
Ficou evidente, com os acontecimentos de março-abril, que o movimento democrático e antiimperialista, sem contar com um sólido apoio no campo, é bastante vulnerável e pode ser facilmente liquidado pela reação. Esta, se concentra nas cidades, onde possui amplos recursos repressivos. Embora se deva dar bastante atenção às lutas nas cidades, porque aí se encontram as grandes massas de operários, de estudantes e a intelectualidade, o trabalho no campo deve constituir uma preocupação central. A aliança dos operários e camponeses é o alicerce sobre o qual deve ser erigida a frente única democrática e antiimperialista.
Quem desejar a revolução deve, hoje, fazer trabalho no campo. É no interior que vive a maioria da população. As condições de vida dessa maioria de brasileiros são as piores possíveis. Não gozam dos mínimos direitos. Trabalham sob regime de feroz exploração. São, potencialmente, uma grande força revolucionária, que começa a despertar. Além disso, as circunstâncias em que se verificam as lutas no campo, são mais favoráveis às forças revolucionárias. A reação não pode concentrar-se em toda parte e o terreno, bem conhecido pelos camponeses, em geral, é desconhecido para ela. Se bem dirigidas, as lutas no interior podem não só subsistir, como ampliar-se e transformar-se em choques de grandes proporções.
É necessário, pois, empenhar-se ao máximo para organizar e desenvolver o movimento camponês. Tendo em vista que a luta de libertação nacional será dura e prolongada e se travará fundamentalmente no interior do país, é fácil compreender a importância que assume o trabalho no campo. Segundo tudo indica, no campo é onde surgirão os primeiros focos de resistência aos inimigos de nosso povo. Pode se afirmar que a questão camponesa é o problema-chave da Revolução Brasileira.
5. O caráter amplo da frente única democrática e antiimperialista. É justo assinalar, igualmente, como ensinamento precioso, o caráter bastante amplo que atingiu o movimento democrático e de emancipação nacional.
A própria reação, sem o desejar, encarregou-se de revelar essa amplitude. As medidas punitivas da ditadura alcançaram desde sargentos e marinheiros até oficiais generais, desde estudantes até professores universitários e cientistas, desde padres e freiras até bispos, desde advogados e juízes até desembargadores, desde vereadores até prefeitos e governadores, desde “barnabés” até chefes de serviço e diplomatas, desde operários e camponeses até industriais. Em quase todos os partidos políticos surgiram setores avançados. Nos meios católicos formou-se um movimento vigoroso que pugnava por idéias renovadoras. Tudo isso testemunha o quanto se fortaleceu o sentimento nacional e quão numerosas são as forças que podem ser aglutinadas na luta para liquidar as causas do atraso do país.
Todas as forças, que apresentam diferentes níveis de consciência e de organização, precisam unir-se em ampla frente única para levar a cabo a tarefa histórica que se coloca diante da nação. Essa tarefa é essencialmente nacional e democrática. Tem por fim terminar no país com o domínio do imperialismo norte-americano e com o sistema do latifúndio. Visa à instauração de um governo representativo dessa ampla frente única, que abarca desde os operários e camponeses até a burguesia nacional, um governo que, por isso, será autenticamente democrático. A amplitude da frente única é condição indispensável da vitória da revolução, uma vez que são fortes os inimigos a derrotar. Para vencê-los é imprescindível unificar os patriotas, a todos os que não se conformam com a submissão do país ao estrangeiro e com o atraso em que o povo vegeta. Essa união é plenamente realizável.
O imperialismo norte-americano e a reação interna, compreendendo o alcance da união da imensa maioria dos brasileiros, tudo fazem para impedi-la. Recorrem, para isso, aos mais imundos ardis. Servem-se despudoradamente do anticomunismo. Valem-se dos preconceitos em relação ao comunismo, ainda existentes, que resultam de uma propaganda torpe e mentirosa e que só terminarão completamente quando o povo gozar de efetiva liberdade e puder ser esclarecido. Tentam fazer crer que as lutas populares e patrióticas têm cunho comunista. Precisamente, a tática do anticomunismo foi utilizada em larga escala pelos golpistas para derrubar Goulart. A política do governo era representada falsamente como destinada a favorecer a implantação de um regime comunista. Assim, conseguiram enganar alguns setores da população.
Por outro lado, entravam a frente única e facilitam a divisão das forças que podem e devem ser unidas, os que identificam a revolução democrática com a revolução socialista. Nas condições atuais, postular o objetivo socialista será afastar de plano a burguesia nacional. Não restam dúvidas que o futuro do Brasil é o socialismo. Mas o caminho para o socialismo passa, indiscutivelmente, como a vida está mostrando, pela revolução democrática e antiimperialista. Os que pretendem dar uma feição socialista à revolução em sua presente etapa, como fazem os grupos trotsquizantes, ajudam os imperialistas e a reação interna.
Se os últimos acontecimentos vieram mostrar com bastante clareza a grande extensão que pode adquirir a frente única, revelaram também que esta, para cumprir sua missão, não deve restringir sua atividade à conquista de pequenas reformas, nos quadros do atual regime. A frente única, para realizar suas finalidades, ao mesmo tempo que luta pelas reivindicações parciais, não perde nunca de vista que é, fundamentalmente, um instrumento de ação revolucionária e que sua meta é a liquidação do domínio do imperialismo norte-americano e a extirpação do latifúndio. Justamente, a principal debilidade das amplas forças que atuaram nas áreas populares, no período do governo Goulart, residia no aspecto profundamente reformista de suas lutas, nas ilusões que alimentavam de solucionar os problemas brasileiros nos limites do regime imperante no país. É indispensável imprimir à ação das forças democráticas e antiimperialistas um sentido revolucionário e combater sistematicamente a concepção de que é possível, sem destruir o poder das classes dominantes, realizar as mudanças que o desenvolvimento da sociedade brasileira tornou inadiáveis.
A quase totalidade da população se opõe à espoliação estrangeira. Unicamente um reduzido número de latifundiários, uma parte da grande burguesia e os agentes do capital financeiro ianque defendem o imperialismo norte-americano. Há, portanto, imensas possibilidades de unir, em ampla frente única, a esmagadora maioria do povo para derrotar os reacionários e os monopolistas dos Estados Unidos.
Essas lições e experiências, extraídas dos acontecimentos que culminaram com o golpe militar do 1º de abril, são de grande valor para prosseguir com êxito na luta emancipadora. Indicam o verdadeiro caminho da Revolução Brasileira. Se as forças de vanguarda e o povo souberem aprender com os reveses tornar-se-ão mais fortes e invencíveis.
A VITALIDADE DO MARXISMO-LENINISMO
1. O fracasso do revisionismo. O golpe do 1º de abril serviu também para aferir as posições e o comportamento das duas correntes do movimento operário representadas pelos Partido Comunista do Brasil e pelo Partido Comunista Brasileiro.
Na orientação e na atividade de cada uma dessas organizações se exprimem as duas linhas que se conflitam no movimento comunista mundial – a linha marxista-leninista, defendida pelo Partido Comunista da China e por outros partidos revolucionários e a linha revisionista de Kruschev e seus seguidores. Nesse terreno, os fatos ocorridos no Brasil são uma demonstração do completo fracasso da orientação revisionista e uma cabal comprovação das teses do marxismo-leninismo.
Os revisionistas brasileiros, liderados por Luis Carlos Prestes, desde 1958, elaboraram, apoiados nas teses do XX Congresso do PCUS, toda uma política reformista. Em 1960, no 5º Congresso do Partido, a sistematizaram. Negando os princípios do marxismo-leninismo, afirmaram que o Estado brasileiro encontrava-se em processo de democratização crescente, que o Exército era democrático, diferente, nesta questão, dos demais exércitos da América Latina, e que a magistratura começava também a democratizar-se. Asseveraram que as profundas mudanças que o Brasil necessita em sua estrutura econômico-social seriam realizadas nos marcos do atual regime, por meio de sucessivos governos progressistas-burgueses. A acumulação de reformas conduziria à libertação do país, à revolução pacífica. Para os revisionistas, a burguesia vem dirigindo o curso da revolução desde 1930 e poderia levá-lo até o fim. Partindo da premissa de que, no plano mundial, a correlação de forças tornou-se favorável ao socialismo, concluíram que a revolução no Brasil se desenvolveria por um caminho não violento.
Sob o pretexto de obter o registro legal de seu partido, em 1961, os revisionistas mudaram o nome da organização partidária, retiraram dos Estatutos a declaração de que o partido se orientava pelos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, apresentaram um programa totalmente reformista. Dessa forma, criaram um novo partido e cindiram o movimento comunista.
Em sua atividade prática, os revisionistas limitavam a luta antiimperialista àquilo que convinha tão-somente à burguesia e aceitavam a tese do PCUS da existência de um setor democrático no imperialismo norte-americano, que seria partidário da paz. Chegaram ao ponto de durante o governo Goulart, em especial nos últimos meses, considerar o chefe do PTB como seu principal aliado. Segundo declarou Prestes, mais de uma vez, Goulart tinha condições para dirigir a revolução. Em várias oportunidades, o dirigente revisionista afirmou que o governo poderia realizar, se quisesse, as reformas de base, apoiado no seu dispositivo militar. É certo que a corrente dirigida por Prestes reclamava, insistentemente, que deixasse de conciliar. Na realidade, porém, Goulart não poderia fazê-lo porque a política da conciliação é inerente às forças sociais que ele representava. Clamando contra a conciliação, ninguém mais do que o PC Brasileiro ajudou o chefe do PTB a conciliar. Os revisionistas acusavam de “esquerdista” as correntes revolucionárias, tinham a opinião de que o deputado Leonel Brizola era excessivamente radical e a ele faziam grandes restrições.
Após o comício presidencial de 13 de março, na Guanabara, os revisionistas proclamaram, em seu jornal e em palestras públicas, que a reação havia sofrido pesado revés e não estava mais em condições de impor um retrocesso político ao país.
Daí, a 1º de abril, os dirigentes revisionistas sofreram uma decepção. Seus planos e suas teses foram reduzidos a nada. O “exército democrático” resolveu entrar em ação. Acionado pelo Pentágono e pela reação interna depôs o governo e instaurou uma ditadura militar. Confirmou-se a justeza da teoria marxista-leninista. O Estado e seu principal instrumento de repressão contra as massas – as forças armadas – cumpriram as suas funções coercitivas. A máquina estatal dos reacionários jamais se poderia colocar a favor do povo ou mesmo ficar neutra diante do ascenso das lutas populares que ocorria no país. Ela está adaptada à defesa dos interesses da grande burguesia e dos latifundiários. Quando surgem algumas brechas no aparelho do Estado, as classes dominantes tratam de fechá-las, realizando expurgos, ou aplicando leis discriminatórias. É o que está se verificando atualmente no país.
A tese revisionista, defendida pelo PC Brasileiro, da revolução pelas reformas, redundou um completo malogro. Os militares golpistas, ao galgar o poder, acabaram com as liberdades, voltaram-se contra o povo e deram seu apoio aberto ao imperialismo ianque. Mas, por estranha ironia, desfraldaram o estandarte que Goulart empunhava com tanto ardor. Isso vem demonstrar que as reformas, como objetivo em si, não são uma bandeira de revolucionários, mas sim dos que pretendem impedir o avanço da revolução. Um governo tão antipopular como o de Castelo Branco, acenando com as reformas, tenta fortalecer o atual regime e debilitar o movimento democrático e antiimperialista. É verdade que os marxistas-leninistas, lutando por um novo poder, não se opõem às reformas. Estas, são por eles encaradas como meio de mobilizar e esclarecer as massas, de ganhá-las para as posições revolucionárias. Seu objetivo, no entanto, é a revolução.
As manobras e concessões feitas pelos revisionistas, pensando enganar a reação para obter o registro eleitoral do seu partido, não surtiram nenhum efeito. O Tribunal conservou o pedido de registro em suas mãos durante quase dois anos sem dar qualquer solução. Advindo o golpe, as forças reacionárias utilizaram as dezenas de milhares de assinaturas que instruíam o processo para perseguir os eleitores que subscreveram aquele pedido.
A linha revisionista do PC Brasileiro impediu que os sindicatos se enraizassem no seio das massas, freou o desenvolvimento das ações combativas das organizações populares e desarmou os trabalhadores. Essa linha oportunista é responsável, em grande parte, pelos insucessos do movimento democrático e antiimperialista.
O fracasso dessa linha provocou grande descontentamento entre muitos comunistas honestos que militam nas fileiras daquele partido. Esses militantes começam a procurar as causas que determinaram a derrota do movimento popular. Embora não vejam ainda o erro essencial proveniente da linha política, passaram a criticar as posições que vinham sendo defendidas pela direção do PC Brasileiro.
Preocupados com essa situação, Prestes e seus seguidores ensaiam, agora, pretensa autocrítica para justificar sua traição ao povo. Depois de pregar, convicta e exaustivamente, a via pacifista e de iludir as massas com suas panacéias reformistas, a direção do PC Brasileiro afirma que a sua orientação previa também o caminho não pacífico, faltando apenas uma preparação adequada para cumprir essa diretriz. Trata-se de mais um embuste. Do começo ao fim, a sua linha era baseada na solução não-violenta. A vaga referência em seus documentos da possibilidade de uma saída não pacífica visava simplesmente a embair os militantes mais combativos de sua organização. Embora os revisionistas reconheçam que seu partido esteve realmente a reboque da burguesia, continuam afirmando como correta a linha direitista aprovada no 5º Congresso. Mantêm a mesma orientação antimarxista e intentam continuar enganando as massas populares. Os comunistas honestos desse partido acabarão, porém, por repudiar o revisionismo e voltar-se para o marxismo-leninismo.
2. A linha revolucionária do Partido Comunista do Brasil. Foi comprovada pela prática a orientação política do Partido Comunista do Brasil, reorganizado em fevereiro de 1962. Os marxistas-leninistas, revolucionários, viram ratificadas as teses que defendem.
Em seu programa, aprovado naquela data, sustentavam ser impossível resolver os problemas cruciais da nação sem mudar o atual regime, uma vez que este é fundamentalmente contra o povo. Afirmavam com ênfase que as classes dominantes tornavam inviável o caminho pacífico da revolução e que o povo devia trilhar o caminho revolucionário. Indicavam ainda a necessidade de forjar uma ampla frente única de todas as forças que se opõem ao imperialismo norte-americano e ao latifúndio. Na sua atividade política, o PC do Brasil se batia por uma posição independente do movimento de massas em face do governo e condenava as atitudes seguidistas. Conclamava os trabalhadores e o povo a confiar em suas próprias forças e se preparar para fazer frente à violência das classes dominantes, viesse de onde viesse. Jamais alimentou ilusões no chamado dispositivo militar do governo. Dizia que sob a liderança de Goulart, o movimento democrático e antiimperialista só poderia ser derrotado. Ainda que Goulart tivesse defendido algumas posições progressistas e que, em certa medida, marchasse com as massas populares, por sua condição de classe, não poderia dirigir com êxito aquele movimento. O PC do Brasil combateu intransigentemente o oportunismo e sempre persistiu nas posições revolucionárias.
Os fatos demonstram que o PC do Brasil foi a corrente política que melhor delineou uma orientação e uma perspectiva corretas para a situação brasileira. Por esse motivo, os comunistas revolucionários sentem-se estimulados a prosseguir com mais decisão no caminho pelo qual enveredaram. A análise e as soluções apresentadas em seu programa são, hoje, inteiramente válidas.
Infelizmente, o PC do Brasil não dispunha de suficiente influência entre as massas para levá-las a interferir de maneira adequada nos acontecimentos. Ainda que tenha conseguido notável crescimento, tanto numérico quanto na ligação com as massas, o Partido era uma organização pequena para a envergadura das tarefas que tinha a realizar. Isso resultou de uma série de dificuldades inerentes ao próprio processo de sua reorganização. Nele, também se manifestaram tendências sectárias. Estas, consistiram em certa fuga ao trabalho nas organizações de massas, particularmente no movimento sindical, em não dar a atenção necessária ao contato mais estreito com as correntes políticas democráticas em alguns exageros no combate ao que havia de errôneo na política do senhor João Goulart. Essas tendências, sem dúvida, obstaculizaram a maior participação do Partido no movimento democrático e antiimperialista e não permitiram que exercesse uma influência mais positiva nesse movimento.
Em que pese a brutalidade da reação, que também atingiu suas fileiras e suprimiu seu órgão legal de imprensa, o PC do Brasil, graças à sua orientação, não ficou perplexo e pôde resguardar a maior parte de suas forças. Seus militantes saíram mais convencidos da necessidade de construir um grande partido, capaz de cumprir sua missão.
3. Forjar a vanguarda revolucionária. O confronto entre a linha revisionista do PC Brasileiro e a linha marxista-leninista do PC do Brasil, que até então era feito principalmente no plano teórico, agora foi realizado no crisol da prática.
Nessa prova decisiva, ficou evidente a vitalidade e a sabedoria da grande doutrina revolucionária do proletariado e a fragilidade e a indigência do revisionismo, por mais que se enfeite com os atavios dos êxitos momentâneos. O revisionismo foi duramente abalado.
Isso pode ajudar os revolucionários do nosso país ainda iludidos pela linha originada do XX Congresso do PCUS a reencontrar o caminho do marxismo-leninismo e a se afastar do oportunismo. A esses elementos, que não só almejam a revolução como sentem a necessidade de por ela lutar, o PC do Brasil tem suas portas abertas. Além do mais, está sempre pronto a discutir fraternalmente as questões da unidade do movimento comunista com todos os marxistas-leninistas.
O Partido Comunista do Brasil, embora no momento presente não seja uma organização poderosa, está chamado a desempenhar um destacado papel na condução da luta emancipadora do povo brasileiro. Pela clareza de seus objetivos, pela justeza de seu programa, pela doutrina em que se baseia, pela política que realiza e, enfim, por expressar os interesses do proletariado revolucionário, é a força que tem condições, no cenário político brasileiro, de vir a ocupar o posto de vanguarda da revolução.
A fim de atingir esse objetivo é necessário realizar um grande esforço para ampliar suas fileiras e estabelecer profundas ligações com as massas. O PC do Brasil deve reunir em seu seio os melhores filhos da classe operária, os mais combativos trabalhadores do campo, jovens estudantes, homens e mulheres do povo, dispostos a todos os sacrifícios para redimir a pátria da opressão estrangeira e, no futuro, construir o socialismo. Forjar essa vanguarda é uma exigência impostergável do desenvolvimento histórico de nosso país.
A construção de uma forte vanguarda revolucionária está estreitamente ligada a uma intensa atividade ideológica. Esta, deve se desenvolver, basicamente, no combate às teorias dos revisionistas contemporâneos que, se dizendo, com o maior farisaísmo, marxistas-leninistas, ajudam os imperialistas e os reacionários a enganar as massas. O Partido da revolução é incompatível com o revisionismo bem como com o dogmatismo. A luta ideológica contra essas tendências estranhas ao movimento operário deve ser permanente.
A LUTA CONTRA A DITADURA
1. Firme oposição ao governo Castelo Branco. O governo atual ostenta força e blasona prestígio. Dispõe das armas e do aparelho repressivo. Conta com o apoio dos reacionários. É incensado pela grande imprensa venal. Tem a ajuda dos monopolistas estadunidenses. Mas, em realidade, é fraco porque serve ao que há de mais retrógrado e se choca com os interesses nacionais. Contra ele está o povo, que embora não demonstre ainda plenamente sua repulsa, mais dia menos dia levantar-se-á para jogar por terra o regime injusto que vigora no país.
Com a prorrogação do mandato presidencial, em que a vontade popular foi mais uma vez burlada, o Mal. Castelo Branco pretende governar até março de 1967. No entanto, como repetidamente tem declarado o ministro da Guerra, Gen. Costa e Silva, o grupo de militares que desfechou o golpe não revela a intenção de entregar o governo nem agora nem depois, em 1967. Segundo seus desejos, depois da saída de Castelo Branco da Presidência da República, para ela deve ir um outro Castelo Branco, com ou sem farda.
São esses os seus planos. Todavia, o governo está minado por profundas contradições que se agravam cada vez mais. Não resolveu nem resolverá nenhum dos graves problemas que o país enfrenta. Ao contrário, a situação é sempre mais difícil. À medida em que as massas lutarem por suas reivindicações, o governo apelará maior escala para a repressão e a violência, o que fará aumentar o seu isolamento.
Incumbe ao povo realizar ativa oposição, firme e decidida, à ditadura e aos que, como Lacerda, reclamam mais reação. Para os patriotas e democratas, o desmascaramento dos golpistas, de dentro e de fora do governo, é uma tarefa de todos os dias. Mobilizar o maior número de brasileiros contra a ditadura e contra os direitistas mais extremados é uma necessidade premente. Desta tarefa participam tanto revolucionários quanto reformistas, tanto militantes do PC do Brasil quanto do PC Brasileiro, tanto católicos quanto socialistas. Lado a lado podem atuar trabalhistas, brizolistas, comunistas, elementos do PTB, PDC, PSD e até da UDN. Na luta por objetivos concretos é preciso unir todas as forças capazes de ser unidas e neutralizar todas as que possam ser neutralizadas. Quando o governo aumenta o número de descontentes, maiores são as possibilidades de ampliar e fortalecer a aliança dos que resistem à ditadura.
Na situação presente, a luta pelas liberdades é fator fundamental para a ação política das massas. É uma forma concreta de combate ao governo ditatorial. Interessa a vastos setores do povo. A libertação dos presos políticos, a denúncia dos crimes contra eles cometidos, a repulsa ao sistema de delação organizada, a liquidação dos inquéritos policial-militares, a suspensão das intervenções nos sindicatos, a anulação das penalidades contra alunos e professores das universidades, a reabertura dos jornais arbitrariamente fechados, a cessação das perseguições a funcionários públicos, enfim, o restabelecimento das franquias democráticas, constituem uma exigência da nação. Por intermédio da luta pelas liberdades é possível unir amplíssimas camadas populares.
Problema comum a todos os trabalhadores, funcionários públicos, donas de casa, profissionais liberais, etc., é a defesa de seu nível de vida, gravemente atingido pela política econômico-financeira do governo. Essa política vem acarretando diminuição violenta do salário real, brutal carestia de vida e desemprego em massa, determina a redução dos proventos dos que trabalham por conta própria e abala seriamente o orçamento doméstico das famílias de poucos recursos. Diante disso, é preciso organizar a luta contra essa situação calamitosa. Por meio de greves, manifestações de rua e outras formas de atuação, é necessário fazer ouvir o protesto das massas populares contra aquela nefasta política governamental.
Grande é a significação da luta pelas reivindicações do homem do campo. Se antes do golpe já era difícil a situação, agora ficou ainda mais aflitiva. Os latifundiários, usineiros e grileiros, protegidos pela ditadura, investem furiosamente contra as massas camponesas, anulando, inclusive, direitos conquistados em árduas jornadas. Está na ordem-do-dia, não só a luta pelas reivindicações imediatas dos camponeses, como também a reforma agrária radical – a grande bandeira da união dos trabalhadores do campo e da aliança operário-camponesa.
O combate à espoliação imperialista norte-americana e à política entreguista do governo assumiu um caráter ainda mais relevante. É tarefa primordial do povo brasileiro. A ditadura abriu, de par em par, as portas do país à exploração dos monopolistas ianques e atrelou-se vergonhosamente à orientação do Departamento de Estado. Assim, a defesa da soberania nacional, da indústria brasileira e das riquezas do país, a luta para pôr fim ao domínio do imperialismo ianque, constituem o grande denominador comum da unidade do povo.
Parte integrante da luta dos brasileiros pela paz e a independência nacional é a solidariedade a Cuba, é o apoio à luta dos povos africanos por sua libertação, é a condenação veemente da intervenção criminosa dos imperialistas ianques na Ásia.
Desenvolvendo intensa atividade política de massas em torno de tais reivindicações ou de outras que possam surgir a cada instante, o movimento democrático e antiimperialista se ampliará e adquirirá novas energias. Essa atividade defronta-se, hoje, com maiores restrições, em virtude da ausência de liberdades. No entanto, elevou-se o ódio aos imperialistas norte-americanos e aos que oprimem o povo, ampliou-se o número de pessoas que, com o golpe, foram despertadas para a vida política. Tudo isso permite intensificar as lutas de massa que, nas condições de ditadura militar, por mais simples que sejam, tendem a adquirir mais acentuado conteúdo político e alcançar maior ressonância.
2. Utilizar todas as formas de luta. Na ação política de massas é necessário atuar sempre tendo em vista a revolução. Este é um processo complexo do qual o povo participa amplamente. Comporta as formas de luta mais elementares, os meios mais simples de organização até as ações mais enérgicas e tipos de organização mais elevados. Impõe perseverante trabalho de esclarecimento e de educação. Obriga a um esforço continuado para ajudar as massas a fazer sua própria experiência e trazê-las para as posições de vanguarda. Exige permanente atividade nas organizações de massa e saber empregar as formas legais e ilegais de luta. Reclama incansavelmente a tomada de medidas concretas visando às ações armadas.
O desencadeamento da revolução e o seu êxito, mesmo que hajam fatores objetivos os mais vantajosos, depende decisivamente da existência de condições subjetivas favoráveis. A vanguarda deve preparar-se e preparar as massas, para as lutas de maior envergadura. Precisa fazer grandes esforços para aumentar suas forças e conquistar novas posições. Nesse sentido, adquire significativa importância a direção da luta cotidiana das massas e a utilização de todas as formas de luta para elevar a consciência política do povo, adestrar os trabalhadores, forjar sua combatividade e cuidar de seu preparo em todos os terrenos.
Múltiplas são as atividades de preparação revolucionária que se desenvolvem nas frentes mais diversas. Seria incorreto pensar que somente a luta armada é trabalho revolucionário. Essa luta é, sem dúvida, a forma mais alta de atividade revolucionária. Mas não é possível prescindir, ao lado do esforço ininterrupto para fortalecer a vanguarda, da ação política de massas. A oposição à ditadura e o combate aos ultradireitistas, importante aspecto da luta democrática, contribuem enormemente para acumular forças.
As massas populares, guiando-se por uma orientação revolucionária, forjando ao mesmo tempo os instrumentos para enfrentar a violência da reação e do imperialismo, estarão em condições de melhor lutar por um programa radical e por um poder popular revolucionário.
O golpe do 1º de abril objetivou barrar o ascenso do movimento democrático e antiimperialista. Enganam-se, porém, os fautores da quartelada e seus protetores norte-americanos. Nunca a idéia das transformações radicais se apresentou com tanto vigor. A ditadura, com suas violências e injustiças, com seu entreguismo, com suas medidas antipopulares, veio robustecer na consciência do povo a necessidade da revolução.
Os patriotas e democratas, as grandes massas trabalhadoras revelam preocupação sobre o modo de alcançar a vitória. O PC do Brasil procura, aqui, ir ao encontro dessa preocupação. Reafirma que os problemas fundamentais do país não serão resolvidos pela via pacífica. Para vencer seus inimigos, o povo deve construir, na luta, suas próprias forças armadas.
Muitos podem objetar que esse rumo é o mais difícil e doloroso. Argumentarão que a situação brasileira tende a se normalizar, que será restabelecido um clima de liberdade dentro do qual se poderá retomar o caminho interrompido com o golpe. Admitindo-se, para efeito de argumentação, que esse clima viesse a ser restabelecido, que outra via se poderia indicar a não ser a que é apresentada pela experiência? O povo brasileiro enfrenta o dilema de permanecer na dependência dos imperialistas norte-americanos, viver humilhado e sem liberdade ou fazer a revolução. Não há um terceiro caminho. Não é possível repetir, sob outras formas, o mesmo ciclo já antes percorrido, ou seja, conquistar pouco a pouco algumas liberdades e, em seguida, suportar o peso de um golpe militar, perder as posições conquistadas e recomeçar tudo de novo.
Este tem sido, durante anos e anos, por falta de uma justa perspectiva revolucionária, o trágico itinerário seguido pelas forças populares. Agora, à luz da nova experiência, é preciso afastar-se das antigas e tortuosas veredas e buscar a estrada real da revolução. Se a luta for difícil e dolorosa, não será por vontade do povo, mas pelo egoísmo e crueldade das classes dominantes. Sejam quais forem os sofrimentos que a luta possa acarretar, serão bem inferiores aos que padecem, hoje, milhões de brasileiros vítimas da exploração impiedosa, da opressão imperialista, da falta de assistência, do analfabetismo, da miséria e de uma vida sem horizontes.
Os êxitos golpistas são temporários. Aquilo que parece ser a sua força, em realidade, não é mais do que a sua própria fraqueza. Enveredando pelo caminho revolucionário, atrevendo-se a enfrentar os imperialistas norte-americanos e seus sustentáculos internos, o povo brasileiro acabará triunfando. O decisivo é ter determinação e trabalhar com afinco para que a revolução deixe de ser um desejo e se transforme em esplêndida realidade.
Comissão Executiva do Partido Comunista do Brasil, agosto de 1964.