ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DE SEGMENTOS QUE SE DESLIGARAM DE OUTRAS ORGANIZAÇÕES E DA AÇÃO POPULAR
Ao se firmar como a organização de vanguarda do proletariado, o Partido atraiu para as suas fileiras não só novos militantes, como também setores que se desprenderam de organizações revolucionárias pequeno-burguesas e do partido revisionista.
Esse fato, de certa maneira novo na história de nosso Partido, teve aspectos positivos e negativos que precisam ser sistematizados e corretamente avaliados, extraindo-se os ensinamentos deles decorrentes.
Como vários foram os processos de incorporação, faremos a análise separada de cada um deles para facilitar a sua discussão. Adotaremos a ordem cronológica dos mesmos.
A INCORPORAÇÃO DE EX-MILITANTES DAS LIGAS CAMPONESAS
Na corrente liderada e organizada por Francisco Julião, no início dos anos 60, surgiu um processo de diferenciação interna entre os militantes, na maioria jovens, que, compreendendo as limitações políticas e orgânicas das Ligas, aproximaram-se do Partido, pois nele viam o seu caráter revolucionário. Em fins de 1962, um grupo constituído por algumas dezenas de militantes rompe com a direção das Ligas e começa a atuar em frente única com o Partido em algumas regiões, principalmente Goiás e Pernambuco. Por meio da atuação conjunta no movimento político e nas lutas de massas, conheceram a linha e a orientação do Partido e passaram a defendê-la e aplicá-la. Os que mais se destacaram e avançaram foram sendo recrutados para o Partido. No segundo semestre de 1963, esse processo estava no fundamental concluído com sua incorporação aos respectivos organismos do Partido.
A incorporação desses militantes, na época em que ocorreu, ampliou a área de atuação do Partido junto à juventude e a certos setores das massas camponesas. Nesse aspecto foi bastante positivo.
No entanto, tais elementos, na maioria esmagadora oriundos da pequena burguesia, haviam formado, no período em que atuaram nas Ligas, um arraigado espírito de grupo, que não abandonaram ao ingressar no Partido e, por este, não foi suficientemente combatido. Essa atitude grupista que mantiveram, já como membros do Partido, decorria de suas concepções pequeno-burguesas sobre o caminho revolucionário e a organização partidária.
Esses elementos aderiram ao Partido vendo nele apenas o seu espírito de organização revolucionária e a sua política de cunho antiimperialista e democrático, sem nunca ter compreendido o seu caráter de classe, proletário, e a correta ligação da primeira com a segunda etapa da revolução.
Nessas condições não conseguiram se integrar totalmente nas fileiras partidárias. Mantendo o espírito e a prática de grupo acabaram por tentar impor suas concepções aventureiras pequeno-burguesas de sentido foquista à prática partidária e enveredaram pelo caminho do fracionismo. O Partido não permitiu essa atividade divisionista acabando por expulsar os seus principais articuladores.
A INCORPORAÇÃO DO COMITÊ REGIONAL MARÍTIMO DA GUANABARA
Após o golpe de 1964, uma das primeiras manifestações da divergência política no partido revisionista de Prestes se deu entre militantes e dirigentes do Comitê Regional Marítimo da Guanabara.
O setor dos trabalhadores marítimos tinha sido um dos mais combativos e atuantes nas lutas sindicais e nos movimentos grevistas, particularmente durante o governo de Goulart. O alto grau de organização e a combatividade dos marítimos e portuários eram, no entanto, neutralizados pela orientação reformista que prevaleceu no setor naquele período. O CR Marítimo difundia e aplicava a política reformista do PC Brasileiro e era nesse particular, um dos mais atuantes. O golpe de Estado, derrotando e pondo por terra a política oportunista dos revisionistas, atingiu duramente os trabalhadores marítimos e portuários. Tal fato gerou revolta contra essa orientação política até então difundida. Iniciou-se, então, em suas fileiras, um processo de análise crítica de sua atuação anterior. O desenvolvimento desse processo levou ao aguçamento das contradições internas entre o CR Marítimo e o CC revisionista do PCB. Na busca da solução para os vários problemas de ordem política e ideológica que estavam colocados em debate, vários militantes e dirigentes do CR Marítimo da Guanabara se aproximaram de nosso Partido, tomaram conhecimento de nossa posição face ao reformismo e ao revisionismo, estudaram os principais documentos partidários e passaram a travar luta interna no partido revisionista em novo nível, contrapondo nossas posições às do CC revisionista. Tal processo culminou com o desligamento do CR Marítimo da Guanabara do partido revisionista e a sua incorporação às fileiras do PC do Brasil.
A incorporação do CR Marítimo da Guanabara ao nosso Partido significou, na época, grande vitória, pois era a confirmação prática de que o PC do Brasil havia se transformado num pólo de atração de todos os que procuravam romper com a política e a prática revisionistas.
Se bem que no processo de discussão interna, no período que antecedeu à ruptura com o partido revisionista, os dirigentes e militantes do CR Marítimo tivessem tomado firme posição contra a orientação oportunista do CC do partido revisionista, estudando e difundindo os nossos materiais, faltou-lhes, entretanto, uma conseqüente análise autocrítica das suas próprias posições anteriores. As críticas ao revisionismo de Prestes e seus seguidores cingiram-se no fundamental às orientações adotadas após o golpe de Estado de 1964, pouco avançou na crítica à orientação revisionista do período que antecedeu o golpe, principalmente durante o governo de Goulart.
Como não poderia deixar de ser, após a incorporação dos camaradas marítimos ao Partido, iniciou-se todo um longo processo de luta política e ideológica contra concepções erradas de muitos de seus membros, principalmente do primeiro secretário, José Maria Cavalcanti. Isso contribuiu para que os verdadeiros comunistas que aí se encontravam avançassem e se integrassem totalmente à estrutura e à vida do Partido. Exemplo maior foi dado pelo camarada Luís Guilhardini, que deu sua vida na defesa do Partido e da revolução. Esse processo de luta ideológica serviu também para decantar o Partido dos elementos que, tendo rompido com os revisionistas, não fizeram revisão autocrítica de sua prática anterior, não chegaram a se transformar em autênticos revolucionários-proletários, comunistas.
Com a crescente violência da repressão contra o nosso Partido, particularmente após o início da luta armada no Araguaia, a organização partidária teve de adotar métodos mais seguros para sua defesa. O liberalismo era um grande inimigo a combater. José Maria Cavalcanti, dirigente do CR Marítimo, foi continuamente advertido pelos métodos liberais de direção e organização que aplicava, porém, jamais os corrigiu. Tais erros culminaram com a prisão de toda a direção do CR dos Marítimos e de grande parte de seus militantes. José Maria capitulou frente à repressão, tornou-se um traidor e foi expulso do Partido.
A INCORPORAÇÃO DOS MILITANTES PROVENIENTES DO PCBR
No processo de crise interna que vivia o partido revisionista nos anos 1966/67, Prestes decidiu convocar um Congresso que lhe permitisse derrotar os oponentes e firmar sua direção. Vários membros do CC revisionista, dirigentes de Comitês Regionais, tentaram se unificar para derrotar Prestes e assumir a direção do partido. Esses elementos não tinham identidade política entre si. Combatiam no fundamental a direção de Prestes. Não tinham uma posição marxista-leninista. Muitos publicamente negavam a necessidade do partido do proletariado, como Carlos Marighella. Outros, difundiam a formação de um partido centrista.
Dos grupos que se formaram dentro do partido revisionista e o abandonaram, foram estruturadas várias organizações pequeno-burguesas revolucionárias, as quais tinham em comum dois pontos principais: a negação do Partido do proletariado, o PC do Brasil, e a adesão política e ideológica ao foquismo pequeno-burguês em voga, particularmente na América Latina. As principais organizações que surgiram dos elementos egressos do partido revisionista foram: a Aliança Libertadora Nacional (ALN); o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8); e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
Nosso Partido, que vinha acompanhando de perto o processo de luta interna do partido revisionista, procurou intervir no sentido de ajudar a crítica ao revisionismo, apontando com clareza o seu caráter traidor do proletariado e da revolução brasileira. Manteve contato com certos dirigentes, apontando-lhes o caminho de uma profunda autocrítica de sua prática anterior revisionista. Esse caminho seria o de ir até o fim na crítica teórica, ideológica e organizativa, sendo que esse processo deveria culminar com sua adesão ao PC do Brasil. A maioria dos militantes do PCBR da Guanabara dele se desligou e ingressou no PC do Brasil.
Travava-se na época, 1967/68, uma grande batalha político-ideológica no combate a todo um conjunto de concepções falsas sobre o papel do proletariado, seu caráter de força dirigente da revolução, sua hegemonia e, em particular, a necessidade de seu Partido, seu Estado-Maior de combate. O PC do Brasil era o alvo principal do ataque de todas as correntes não-proletárias, reformistas, revisionistas, revolucionárias pequeno-burguesas. Ampliar e reforçar o Partido era importante passo nesse confronto. Nesse aspecto, a incorporação dos elementos do PCBR da Guanabara ao Partido foi uma vitória na luta contra o revisionismo e as correntes pequeno-burguesas.
A par dos aspectos positivos de tal incorporação ao Partido, houve também aspectos negativos. Esses elementos, havendo desenvolvido um espírito fechado de grupo, conseqüência da concepção pequeno-burguesa que os orientou no processo de luta interna dentro do partido revisionista e posteriormente no PCBR, nunca se integraram totalmente no Partido. O CR da Guanabara funcionava quase como um partido à parte. Elaborava seus próprios documentos de orientação, muitos dos quais criticados pelo CC, tirava seu próprio jornal; a sua direção, em particular Jover Teles, transmitia aos camaradas da Guanabara interpretações de certos acontecimentos que divergiam da verdadeira orientação do Partido.
Tal prática revelava claramente uma falsa concepção de Partido. O espírito de grupo fechado, elitista, intelectualista, que se desenvolveu no CR da Guanabara trouxe graves prejuízos ao Partido, pois, ao não armar os militantes e dirigentes com a verdadeira ideologia do proletariado e a concepção marxista-leninista do mundo, permitia a disseminação de concepções liberais e idealistas sobre o Partido e uma prática individualista pequeno-burguesa. Em tais circunstâncias, era difícil, ou quase impossível, ao Partido na Guanabara resistir à ação repressiva do inimigo. Grandes foram as quedas na Guanabara nos anos 1972/73, centenas de militantes foram presos; o que acarretou um sério golpe à organização partidária e à ação política de massa que vínhamos desenvolvendo na região, principalmente no movimento estudantil. Outras quedas ocorreram posteriormente. Em 1975 é preso Armando Frutuoso que capitula e entrega grande parte dos militantes que conhecia. Com a queda de Frutuoso, outros dirigentes do CR da Guanabara são presos e alguns dos que não caíram saíram para o Exterior. O Partido, na região, praticamente extinguiu-se. Os comunistas que escaparam da repressão passaram a atuar isoladamente. Em 1976, cai Jover Teles que fracassa perante a repressão e comete o maior crime de traição ao movimento revolucionário brasileiro.
Se, porém, alguns desses elementos da Guanabara enodaram o nome do Partido, outros souberam ter comportamento digno, revolucionário, e resistiram com bravura e heroísmo às sevícias na prisão, nada delataram. Exemplo maior desse comportamento que enobrece o Partido foi dado por Lincoln Bicalho Roque que defendeu com bravura o seu Partido, o PC do Brasil. Também muitos heróis da luta guerrilheira do Araguaia pertenciam à organização partidária da Guanabara. Após a VII Conferência Nacional do Partido, ao se reorganizar o CR do Partido no Estado do Rio de Janeiro, elementos remanescentes do grupo que aderiu ao Partido junto com Jover Teles tentaram dividir o nosso Partido, sendo dele expulsos.
A INCORPORAÇÃO DA AÇÃO POPULAR
Também se incorporou ao Partido a Ação Popular (AP). Essa organização que provinha da esquerda católica, após o golpe de 1964, avançou para posições revolucionárias pequeno-burguesas, finalmente chegando ao campo marxista-leninista, com certa ajuda do nosso Partido.
Os militantes da AP vieram ao Partido após um processo longo de luta interna e de consolidação das posições marxistas-leninistas. Nesse processo, a AP depurou-se dos elementos que se mantiveram em posições políticas, ideológicas e organizativas centristas e daqueles que passaram a defender posições trotsquizantes.
O Partido contribuiu nesse processo de luta interna e de avanço para as corretas posições revolucionárias proletárias, inclusive com contatos diretos junto à direção da AP.
A incorporação orgânica da AP ao Partido foi o resultado do debate político e da ação comum no movimento revolucionário. Embora a diferenciação política e ideológica seja fundamental para deslindar os campos, é a prática concreta da luta revolucionária de massas que comprova concretamente a correção desta ou daquela posição. A maioria esmagadora dos militantes da AP, no processo de sua atividade política, encontrou a presença do Partido e, na atuação conjunta em frentes comuns, pôde constatar a justeza das posições políticas e da prática que o Partido desenvolvia. A incorporação orgânica da AP veio, portanto, como conseqüência de um prolongado processo em que os fatores de unidade foram se consolidando. Na AP as divergências internas se situaram principalmente quanto à correta compreensão sobre o caráter de classe do Partido e sobre a etapa revolucionária que vivemos, questões centrais do debate teórico que os marxistas-leninistas brasileiros sempre tiveram de abordar em sua luta pela construção do verdadeiro Partido do proletariado contra os oportunistas e revisionistas de todos os matizes. Na AP estiveram presentes, em sua trajetória, concepções idealistas-cristãs, trotsquistas, fidelistas, guevaristas e maoístas que procuravam arrastar a AP para formas políticas e organizativas ora reformistas, ora aventureiras e esquerdistas. Grande, evidentemente, teve de ser a luta contra as idéias e práticas incorretas que haviam penetrado na organização. Travou-se uma batalha em dois campos aparentemente divergentes mas que na prática têm demonstrado identidade. Contra as concepções trotsquistas de revolução socialista e as concepções maoístas de partido de novo tipo, partido de "terceira etapa". Essa batalha abrangente permitiu uma visão crítica do conjunto das idéias incorretas que ainda influíam na sua orientação e o combate organizado e sistematizado às mesmas.
Em 1972/73, os militantes da AP começaram a ingressar no Partido, mas a massa principal de seus membros e dirigentes se deu em 1974, num momento em que a repressão fascista tinha atingido profundamente o Partido.
Aspecto positivo da incorporação da AP foi o reforço político e orgânico do Partido, pelo grau de combatividade e nível político de grande número de quadros que haviam se formado nas difíceis condições de luta contra o fascismo. Esse reforço se deu em nível regional e no Comitê Central, na reestruturação de 1975.
A incorporação dos militantes e dirigentes da Ação Popular foi a que se revelou mais correta e mais benefícios trouxe ao Partido. A análise desse processo nos permite tirar algumas experiências, tais como:
A história da evolução da AP até o marxismo-leninismo e ao Partido demonstra que, se o Partido da classe operária tem uma política revolucionária clara e uma prática conseqüente, sua influência no movimento político real estende-se a outras organizações e serve de ponto de referência na diferenciação de posições corretas e incorretas no processo da luta de classes. Mostra igualmente toda a potencialidade do marxismo-leninismo e a força irresistível do socialismo como perspectiva de organização da sociedade.
Os marxistas-leninistas, sem abdicar de suas posições de princípios, de suas orientações estratégicas e táticas, devem estabelecer corretas relações de unidade e luta com certos agrupamentos revolucionários em formação e, dessa forma, contribuir para que os elementos mais avançados dessas organizações evoluam às posições revolucionário-proletárias e ao marxismo-leninismo.
A sistematização da experiência do Partido na incorporação de elementos e organizações durante esse período nos fornece valiosos ensinamentos que devemos incorporar à nossa prática revolucionária. A análise crítica dessas incorporações nos indica que:
a) o método correto para a assimilação pelo Partido de elementos oriundos de outros agrupamentos é o de fazer a nítida separação entre os verdadeiros revolucionários e os oportunistas à base de uma comprovação político-ideológica;
b) esse processo deve ser feito no fundamental dentro da organização de origem. O ingresso no Partido é sempre de caráter individual. A decantação entre os revolucionários e os oportunistas permite ao Partido recrutar aqueles que realmente assimilam e aderem sinceramente ao marxismo-leninismo;
c) essa luta interna pode ser conduzida e orientada por elementos dirigentes dessas organizações, mas deve atingir as suas bases. O combate às idéias incorretas deve ser generalizado e não restrito a poucas pessoas ou pequeno grupo, por mais importância que tenham;
d) ao incorporar em suas fileiras militantes oriundos do processo de luta interna em outras organizações, o Partido deve contribuir para a sua mais completa assimilação à estrutura partidária. Uma vez no Partido, todos somos militantes com iguais direitos e obrigações. Os erros e incompreensões que por acaso perdurarem da prática anterior serão superados pelo método normal da crítica e autocrítica, da ajuda fraternal e do exemplo pessoal, de como age e atua um comunista.
(Trecho do Informe de organização, aprovado no 6º Congresso do PCdoB.)